Outro dia me perguntaram porque escrevo tanto aqui e nunca me detenho a falar do Direito. Resolvi então hoje afirmar, nestas minhas linhas quinzenais, a distinção, essencial, entre aplicar as leis (lex) e fazer justiça (jus). Hoje, aqui, agora, o legal e o justo (Direito e Justiça) não se superpõem, não se confundem. O Direito (Lex) é um instrumento de harmonização/dominação social e a Justiça (Jus) não existe aqui, só existe no Paraíso!
O direito posto pelo Estado nos nossos dias é erigido sobre uma afirmação a atribuir-se a Creonte, no tempo da paideia: "prefiro a ordem à justiça". Em suma: os homens, na esfera em que ainda estamos, não produzem Jus. Só lá em cima há Jus! A lex nada, nada tem a ver com a Justiça!
Quem faz as leis é o Legislativo, mas quem as aplica são os juízes. O que me perturba é que - como diz um jurista alemão, Bernd Rüthers - o Estado de direito fundado na divisão dos Poderes transformou-se em um "Estado de Juízes" ("Richterstaat").
Pode um Estado, pode uma democracia existir sem que os juízes sejam servos da lei? Por certo que não, eis que a independência judicial é vinculada à obediência dos juízes à lei.
Ainda que seja assim, no entanto, nos dias de agora, cá entre nós - como quase naquela canção de Roberto Carlos - há juízes sem preconceito que, sem saberem o que é direito, fazem suas próprias leis...
Desejo gritar, bem alto, que os juízes aplicam o direito, não por aqui para fazer justiça. O que caracteriza o direito moderno é a objetividade da lei, a superação do arbítrio dos mais fortes que, no passado, decidiam subjetivamente. Permitam- -me ser repetitivo: vamos à faculdade de Direito aprender Direito, não Justiça. A Justiça é lá em cima, no céu. Aqui na chamada Terra, apenas na afirmação da legalidade e do direito positivo a sociedade encontrará segurança e, os humildes, proteção e garantia de seus direitos de defesa. Uma afirmação de Kelsen, outro imenso jurista alemão, ressoa cotidianamente em meus ouvidos: a justiça absoluta é um ideal irracional; a justiça absoluta "só pode emanar de uma autoridade transcendente, só pode emanar de Deus (...) temos de nos contentar, na Terra, com alguma justiça simplesmente relativa, que pode ser vislumbrada em cada ordem jurídica positiva e na situação de paz e segurança por esta mais ou menos assegurada".
Mais do que tudo, o que na Bíblia (32,15-17) ensina o profeta Isaias: quando alcançarmos a Restauração Final, "uma vez mais virá sobre nós o espírito do alto. Então o deserto se converterá em pomar, e o pomar será como uma floresta. Na terra, agora deserta, habitará o direito, e a justiça no pomar. A paz será obra da justiça, e o fruto da justiça será a tranquilidade e a segurança para sempre".